com IVAN LANTYER NETO

 

Criassociais - os filhos da sociedade 


Nas ruas que cortam a esperança,
Praça grande repleta de carros,
Passa por segundo uma criança!

Como se fosse em segurança
Vem trazendo os barros
nos pés pequenos, criança... 

Pisando com força no chão de escarros ,
Se batendo, vai levando, ela avança,
Abençoada por uma coroa de cigarros!

As crianças da rua movimentada
são cenários, são estampas
da deterioração social 

Elas são cada uma, alavancas,
Para alimentar o rico, o mal, 
Que estão na bonança adorada!

Sua roupa curta demais
manchada e rasgada
contrasta com o alinho das fachadas 

Em sua mão apruma e jaz,
A prova da alma desbastada;
Fuma coisas com carinho inaladas.

Não vêem o futuro
talvez por ignorá-lo
preferem a companhia da irrealidade

Porque o beliscão do apuro
Vem sem medo e ao acordá-lo,
Mostra a cor da fantasia da verdade.

Nas ruas se vê a desesperança
Passam ligeiros os carros
obscurecem-se vultos pequenos, crianças...

Ivan Lantyer Neto e Anorkinda 

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 Literária magia


Em um sonho de utopia
Cada pessoa que eu via,
Debaixo do braço levava
Livro, pano e uma fava
De mel que alinhavava
O céu que ela lia.

Voejei também por lá
por entre harmonias
música que vertias
enquanto lias
as alegorias
todas em notas fá

Mas era impressionante
Um vento esvoaçante
O mesmo que me impedia
Tratava de me fazer voar
E eu certamente só já não lia
Mas nas histórias estava a viajar.

Por vários céus voei
pois em cada nova leitura
imagens tais se formavam
me faziam levitar livremente
por lindos versos brancos
as vezes eu dava mão às rimas

Que se sustentavam com minha voz
E se elevavam com seu vibrar
Que me fazia um querer tal e algoz
Daquela magia passar para cada um de nós;

Inclusive um menino, chamado Josefino,
Era gordo como um tanque, mas pequenino
Como um grilo falante que só queria ouvir
Os versos que eu lhe podia falar.

Bebia as rimas e mordiscava sonhares
dava gosto de ver seus doces olhares
perdido no mundo poético, Josefino
me levou a ser também um menino

A abraçar nuvens e navios de piratas
sacundindo as folhas das matas
Eu e Josefino nos versos a viajar
já não era apenas eu a declamar

E se nossa voz não era ressoante
Bastava cantar em ritmo bastante
Alto para que ricos e pobres
Ouvissem as linhas como nobres
E iguais como nunca jamais
Se vira em dias atrás

Todos em voltas com livros
de poemas e aventuras 
narravam a sorrir 
e a ouvir das historias
seus enredos que como
sagrados segredos
enfeitiçavam vidas e luares

Ivan Lantyer Neto e Anorkinda

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 Não se cale, não repele, não é pele o que mais importa


Se todos nós somos farinha
Da mesma embalagem fervente,
Como pode ser tão diferente
Para ser tratado nessa ladainha?

Se todos somos iguais
por que uns padecem
e outros comparecem
à roda chique dos imortais?

E digo-vos, que aqui na cidadezinha,
Onde moram eu, minha mãe e a vizinha,
Só temos chances para o povo crente!
Quem não vai à igreja não ouve lente.

Toca-nos à face a zombaria
da pele, do cabelo, ninharia
Se abraçamos o rótulo
nosso grito fica nulo.

Anorkinda Neide e Ivan Lantyer Neto

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 O grito na ponta da língua


Queira Deus continuar aqui comigo
Entre tantos fios Ele deve estar perdido 
Não carece, todavia, saber japonês
Porque até minha prece há de ser em inglês!

Quisera eu conversar contigo
Deus das tempestades e abrigos
Mas da língua que falo, absurdês...
não será possível decifrar-me de uma só vez!

Mas o tupiniquim das velhas nações
Esse será esquecido em um revés
E aqueles que viviam como aldeões
Terão perdido a verdade de seus pés.

Ferverão as línguas em caldeirões
E da Babel, Deus dispensará rapapés
Assumirá o destino das conversações
Não nos será dado a contar nem até dez!

Mas esse Deus de quem rogo a tez,
Esse tem território e fala próprias
E diz que a América é de todo freguês
Dos Americanos de um outro lugar.

Queira Ele dar-nos as glórias
em um continente unido na sensatez
da não dominação, diversa história
num momento novo de altivez

Mas no fundo mais profundo
Que em minha alma há talvez
Uma voz sincera diz: "O mundo
Que conheces, dizeis, tão bem!
É maior do que por olhos vês
E aqueles que de bons tu crês
Serão os primeiros, e que se gabem,
A te provocar a dor da ilusão."

Ela diz eloquentemente também
"Acredite no que diz a tenaz
voz de teu coração, sem a miragem
de fantasias alheias, supridas a gás
de matéria efêmera, não vá atrás!"

E essas vozes todas em meu peito
Boas e algozes em minhas dúvidas
Sem saber ao certo o tal conceito
A viver em um mundo mais pequeno
Eu passei a liderar as almas imbuídas
De sobrepor esse sistema e ingênuo
Acreditar que poderia tornar pleno.

Quisera Deus que eu falasse sempre
de forma clara a verdade perene
Mas da grandiosa linguagem universal 
sei apenas algum fonema, algum sinal
Deixarei a mensagem de toda minha vida
falar no campo do sentimento, guarida
de todo tormento dúbio do saber.

Anorkinda Neide / Ivan Lantyer Neto
 

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 Valores cardinais - o início do universo


Dispensando os terrores do crepúsculo frio
fomentou-se uma discórdia entre o Vazio
e a Verdade cheia de razões e desvario.
Era uma briga boa de se ver e sorrir
pois que estavam os dois a se divertir
argumentando sobre o eterno porvir 

Mas não argumetavam só, somente
Cada um estava armado a cada dente
A verdade com um belo tridente;
Porque poderia ser verdade infernal
Ou poderia ser a de um Netuno-mal
Fato é que sabiam a arma certa e local!

A briga nesta insana alegoria
chamou assembleia e ninharia
o Vazio apresentou-se com os ventos
vestindo o escuro dos buracos negros
sua arma era letal: língua envenenada
poderoso açoite, feria tal maçada

Porque sabia que os tormentos
Todos pelo Vazio feitos
Não tinham graça, nem nada,
Vinha feliz e colorida e ria,
A Verdade, como um rio
Que corre da cabeceira a abrir
Caminho entre o eterno e tal

Vazio já estava mais compenetrado
queria uma luta justa com juiz
regras e um prêmio final
Destilou o veneno de sua língua ferina
Mas a Verdade rebateu com seu tridente
salpicando líquido viscoso, gelatina
na plateia que meio ria, meio tremia

Mas de platéia se tratando,
Um Malungo da Verdade
Sem meias palavras foi entrando,
Era a Sabedoria, mas a Vaidade,
Sempre pronta a ajudar o decano
Foi logo se postando ao lado do Vazio.

Sabedoria e Vaidade, novas personagens
vão assistir aos contendores
duelando em aparatos seus horrores
a Sabedoria bem sabia cutucar e meter medo 
a Vaidade por sua vez produzia sensações
de escarninho até mesmo em suas ligações

Digo agora para você, meu confessor,
Que o mais interressante realmente
Na luta deles é saber que aquela dor
Para eles não é importante, sente
Cada um a energia do outro com pavor;
É uma luta por valor, sem sangue quente,
Derramado pela orgia da guerra do horror!

O Vazio a querer provar sua infinitude
em valor de quem está em completude
meditando a luta nos poderes da Vaidade
Por sua vez, a portentosa Verdade
queria demonstrar o porquê de sua sede
de conhecimento na Sabedoria em rede
entranhada nos liames de divina Plêiade 

Fato é que tudo terminou em perfeição,
Festa, amor e devoção, quando chegou
A personagem que enviada pela mão
Da providência Divina, a paz, tomou
Conta dos corações de cada sentimento!
O Vazio de todo ficou contento,
Por ser o primeiro e nada nem ninguém
Isso lhe pode tirar; a Verdade,
Cheia de caras diferenciadas
Vestiu-se em desfile das caras e cores
Que em esplendor, demonstrou a vaidade!
O vazio, a verdade e a paz;
Não brigando nunca mais,
Decidiram formar o Universo!
E esperar alguém brigar por eles;
Para os pais do lugar, poderem dar
Uma lição de moral sem par!

Anorkinda Neide e Ivan Lantyer Neto