de F a L

 

 

 FÁBULA DO ESPELHO D'ÁGUA

 
Contam por aí
que na época
em que  os tatus
falavam pelos cotovelos
 
Aconteceu algo estranho
quando o macaco
foi matar a sede
no espelho d'água
 
É que seu reflexo
começou a falar
sobre as lindezas
de dentro do lago
 
- Meu irmão, aqui
não tem seca
nem sede terás tu...
Venha cá, molhar teus pelos...
 
- É um eterno banho
o calor do sol é fraco
sem teimosia de parente
aqui no espelho d'água...
 
Aquilo era tão sem nexo!
Macaco parou até de respirar!
Que doida natureza
era aquela do lago!
 
Queria sair dali
comer banana da penca
afugentar urubu
mas o reflexo continuava a surpreendê-lo!
 
- Vem, meu irmão, não é sonho...
Melhor do que se meter em buraco
e ter o corpo quente
é se refrescar em fresca água!
 
Ah... mas o mistério não era tão complexo...
Macaco é difícil de se enganar!
Num piscar de esperteza
macaco viu dentro do lago!
 
- Peixe safado,zarpa daqui!
- Me molhar, você nem tenta!
- Sou mais esperto que o tatu!
- E mais vingativo que o camelo!
 
Peixinho num medo medonho
mergulhou sem atraso
e o macaco vingar-se não pôde
ele não iria jogar-se n'água...
 
Apreendeu ali que o reflexo
até pode sozinho falar
mas apenas das belezas
que vê fora do espelho do lago...
 
Anorkinda

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FADA-MADRINHA

Gostinho do céu
tem o seu abraço
Cheirinho de mel
tem o seu carinho

Risinho de anjo
tem na sua voz
Som de estrelas
tem o seu beijinho

Falas a língua
dos deuses
Cantas a canção
do bom-tempo

Ternura de mãe
é sua presença
Sintonia de alma
é o sentimento

Anorkinda

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FANTOCHE DESCONEXO

Tentei manusear-te e sentir tua personalidade
Fazer você falar e mover-se pra lá ou pra cá

Mas, desconexo, você desobedece a mobilidade
Não é maleável a meu toque de inábil artista

Pensei provocar-te e intuir tua flexibilidade
Promover em você o ater-se à coreografia

Mas, fantoche, você perdeu a cordialidade
Não resistiu a enrijecer-se, tal qual um autista

Rezei ao Deus da Arte, sutil e diáfana divindade
A proteger-te na caixa, onde te refugiarás

Anorkinda

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 FECHADURA FOFOQUEIRA

 
Eu queria ser fechadura
de casa bem populosa
cheia de gente espalhafatosa
 
Eu queria espiar na cara dura
o que se faz quando se fecha a porta
saber de tudo, até do que não importa
 
Eu queria ser fechadura
sem parceria com a chave
pra deixar aberta a vida, sem entrave
 
Eu queria corromper toda a jura
e espalhar as notícias quentes
de quem fez discursos eloquentes
 
Eu queria ser fechadura
pra acabar com a mania indecorosa
de se ter medo da língua maldosa!
 
Anorkinda

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FEIA


Foi impossível
imperceptível
notar
a beleza
natureza
a ludibriar
o olhar

Com a poeira
que cheira
a teia
de aranha
a imagem
defasagem
engana
o olhar

Pelo tempo
em tormento
que ela gastou
na maquiagem
pura bobagem

Anorkinda

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FESTA EM VENEZA

Beijos vermelhos
e cheiros doces
ainda me circundam
as lembranças

Barcas flutuando
e moços doces
ainda me atentam
o pensamento

Festa em Veneza
e férias de beleza
já não são mais
sonhos distantes

Foram inesquecíveis
e bucólicos dias
de alegres folias
vivendo as fantasias!

Anorkinda

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Fino sentimento

Véu bonito, rendado
cobre-lhe a cabeça
Céu aflito, nublado

Fino sentimento, amor
cobre a indiferença
Sino lamento, fervor

Badaladas, ritual
cobra-se a sentença
Fadas aladas, nupcial

Cortejo, doação
cubra o céu e desça
o ensejo do perdão

Anorkinda

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FUXIQUEIRA

Colorida fuxiqueira,
vem sambando quando quer.
Mas, às vezes, ela não requebra
e, de quebra, desafia o artesanato.

Ela quer mais cor no mundo,
não se conforma com ponto torto.
Por isso desmonta qualquer artifício
e do ofício, costureira, faz consagração.

Divertida fuxiqueira,
vem cantando sua paixão
pelas flores e estampados.

Ela quer oferecer ao mundo
seu charme e inocente teoria
de costurar amor por todo lado.

Anorkinda

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Hoje ela sorriu para mim

Eu andava de pés descalços
Como sempre!
Eu estava distraída
Como sempre!

Dobrei uma esquina sugestiva
Tu estavas lá!
Caminhei em sua direção
Tu esperavas lá!

Eu desviei dos percalços
Como sempre!
Eu evitei a recaída
Como sempre!

Alcancei você, intempestiva
Tu esperavas lá!
Sorri em resposta, emoção
Tu estavas lá!

Hoje a sorte sorriu pra mim!

Anorkinda

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INFORTÚNIO
 
Foi mesmo uma pena
uma dó muito grande
ele ter visto a cena:
um caracol gigante
 
Saciado e fagueiro
no galho da roseira
e o pobre, por inteiro
despido da espinheira
 
Como salvaria a rosa?
Sem ferir nem picar
todo o galante prosa
a despojaria num piscar
 
Seria o maior infortúnio
se a lua nascesse, clara
e bela em seu plenilúnio
sem ter a rosa pra seara
 
Anorkinda
 

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IRMÃO SOL, IRMÃ LUA

A brincar no dia
que irradia
o irmão sol
dá a mão para o passeio

A sorrir, as flores
espetáculo de cores
exalam os perfumes
que acompanham o folguedo

A curtir o dia
de alegria
igual ao girassol
vibro satisfação e recreio

A esperar a noite
com boa sorte
a irmã lua
vem espantar todo o medo

A sentir a brisa
que avisa
o luzir dos vaga-lumes
sintonizo no fim do meu receio

A introduzir a noite
o uivo do coiote
chama a lua nua
que me faz companhia até de manhã cedo

 

Anorkinda

 

 

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Lagoa
 
Ligeiro sapo
deixa histórias
aventuras
pula ali
afasta
 
sonolenta rotina
alonga-se só
mundo jardim
lua quer
lentidão
 
insônia de desejos
pula acolá
grilos
que nada!
 
Anorkinda

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Latente

Abri as recordações...
Uma a uma,
sentimento pungente.

Sorri de medo,
temor...
Trazer à tona o tesouro
é perigoso...

Pode revelar
a latente
doença que estava a descansar...

Anorkinda

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Leve e jovial

Deu um sentido mais leve
à vida que levava...

Sentindo-se jovial,
nada o deteve...

Fluiu rápido ao paraíso
que o esperava!

Anorkinda

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Libidinosa seita


Mulher, moça perfeita
de corpo alvo, láctea
conformação, tal ígnea
aura na libido afeita

Pétala, flor aberta
de cor clara, textura
danação, trai a cura
tátil sentido alerta

Dourada, detalhe sarda
de cor parda, atiço
combustão, traz o viço
grácil toque não tarda

Moça, mulher sujeita
o corpo a salvo, réu
provação, em rubro céu
tortura em enfoque, seita

Anorkinda

 

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LIVRO BRUXO

Arrependi-me!
Abri o livro proibido!

O gato preto
foi o prenúncio
logo a saltar!

Cogumelos
também predisseram
feitiço de azar!

Desfaleci-me!
Desespero sentido!

Minha vida
está fadada
a passar sem luxo!

Meu amor
será afastado,
Mandinga de bruxo!

Anorkinda

 

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Loura loucura

Embaciei a vista e, arrivista
insisti naquela única pista
soltei as louras madeixas

Embriaguei a poesia, mania
que imprimi na fantasia
e cantei minhas queixas

Não desafinei mas extasiei

a quem não sabia que eu ensaiei

Anorkinda

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Lua cheia de manha

A lua cheia apronta
e faz-de-conta
que é dona do pedaço

Ela chama-se Selene
em honraria solene
provocando embaraço

A lua cheia desconta
do astro-rei a ponta
de um ciúme, mal passo

Ela deseja o dia claro
mas tal fato é raro
causando meu descompasso

Anorkinda